Não há como contestar que, desde a Revolução Industrial (século XIX), os avanços tecnológicos aumentaram os riscos na sociedade, tornando as relações sociais e o mundo moderno muito mais complicado. A complexidade moderna é notada, principalmente, na área da indústria alimentícia. Os alimentos, cada vez mais transformados e modificados, incrementaram os riscos para a vida humana. Com isso, pouco a pouco, a legislação brasileira teve que dedicar-se a regular e controlar os riscos causados pela modernidade no setor de alimentos.
O direito humano à alimentação adequada tem destaque na legislação brasileira e está compreendido pela ideia de segurança alimentar e nutricional. A alimentação adequada é direito fundamental do ser humano e indispensável à realização dos demais direitos constitucionais, devendo o poder público adotar as políticas e ações que se façam necessárias para promover e garantir a segurança alimentar e nutricional da população. Além disso, cabe ao Estado garantir a todos o acesso regular e permanente a alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer o acesso a outras necessidades essenciais, tendo como base práticas alimentares promotoras de saúde que respeitem a diversidade cultural e que sejam ambiental, cultural, econômica e socialmente sustentáveis.
Portanto, a segurança alimentar e nutricional possui duas acepções distintas: um que remete às políticas públicas de combate à fome, garantia de acesso regular e permanente aos alimentos e outra relativa à qualidade dos alimentos, que engloba o controle de riscos para a saúde das pessoas. E é através da segundo acepção que surge a preocupação da legislação brasileira em proteger o consumidor dos incidentes que podem ocorrer durante o consumo de alimentos.
Pensemos em uma situação prática
Ao abrir um pacote de arroz, o consumidor notou a presença de um corpo estranho (conglomerado de fungos, insetos e ácaros) entre os grãos do alimento. Como era de fácil visualização, o consumidor não o ingeriu. Porém, resolveu requerer judicialmente indenização por danos materiais e morais em razão do risco que poderia ter sofrido com o consumo do arroz misturado com o corpo estranho.
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) protege o consumidor contra produtos que coloquem em risco sua segurança e, por conseguinte, sua vida, saúde, integridade física e psíquica etc. Existe, portanto, um dever legal, imposto ao fornecedor de evitar que a segurança do consumidor seja colocada sob um risco anormal. Quando o produto não oferece a segurança que dele legitimamente se espera, cabe ao fornecedor reparar os danos causados ao consumidor.
No caso hipotético do pacote de arroz, conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), o que se questiona é qual o nível tolerável de risco e, consequentemente, de insegurança a que pode o fornecedor, de forma legítima, submeter o consumidor. Afinal não existe, em nenhuma situação, o risco zero.
No entanto, a presença de corpo estranho no pacote de arroz excede aos riscos comumente esperados pelo consumidor em relação a esse tipo de produto, caracterizando-se como um defeito. Dessa maneira, como a responsabilidade do fornecedor está relacionada à frustação da razoável expectativa de segurança do consumidor, a existência do defeito faz com que o fornecedor do pacote de arroz seja obrigado a reparar os danos sofridos pelo consumidor ao encontrar o corpo estranho no arroz.
E cabe indenização pelos danos morais causados ao consumidor?
Com relação à possibilidade de ressarcimento pelos danos morais sofridos pelo consumidor do pacote de arroz, nos últimos anos o STJ tem reconhecido a possibilidade de compensação independentemente da demonstração da dor ou sofrimento, concluindo que o dano moral se traduz em consequência da própria conduta que, injustamente, atinja alguns dos aspectos da dignidade do ser humano.
Não há como deixar de reconhecer o dano moral, fruto da exposição da saúde e da integridade física do consumidor a risco concreto, em nível excedente ao socialmente tolerável, gerando violação do seu direito fundamental à alimentação adequada.
Portanto, ingerindo ou não o objeto estranho, sempre haverá uma situação de risco capaz de gerar dano à saúde, ao físico ou ao psíquico do consumidor, apenas variando o grau de exposição do indivíduo, podendo agravar ou não o dano sofrido.