Nos últimos anos, o mercado de venda de veículos usados e seminovos sofreu um aquecimento. Principal motivo: o sumiço dos veículos novos das concessionárias em razão da falta de equipamentos eletrônicos para a sua produção. A alta demanda elevou o preço desta categoria de veículos como não se via desde o Plano Cruzado, nos anos 80. Todavia, o otimismo dos últimos anos no mercado de veículos usados e seminovos veio acompanhado de um incremento dos conflitos originados neste tipo de relação comercial.
Imaginemos a seguinte situação: o consumidor comprou um carro usado, em uma loja especializada na comercialização de veículos, utilizando o financiamento bancário ofertado pelo vendedor da loja. No entanto, o veículo apresentou defeitos mecânicos e danos em sua estrutura que não puderam ser diagnosticados no momento da venda. Além disso, o consumidor não sabia que o veículo já possui restrições em sua documentação, em relação a financiamento anterior, podendo inclusive ser objeto de uma Ação de Busca e Apreensão do veículo.
E aí? O consumidor pode requer a rescisão do contrato de compra e venda e a restituição dos valores pagos, como a entrada paga à loja especializada e as parcelas já pagas ao banco responsável pelo contrato de financiamento?
Ao comprar um veículo usado ou seminovo em uma empresa especializada na sua comercialização, estando regularmente estabelecida e autorizada a funcionar, o consumidor o faz sob a presunção de que está realizando negócio com razoável grau de segurança, diferentemente do que ocorre quando se procura diretamente o vendedor particular em anúncios de jornal ou nas chamadas “feiras livres”. Porém, no caso hipotético, houve motivos suficientes que autorizam o desfazimento do negócio em razão da insegurança imposta ao consumidor.
Logo, se o contrato de compra e venda é desfeito, por vício do produto ou por qualquer razão que viole o direito do consumidor, o contrato de financiamento vinculado à aquisição terá o mesmo destino. Motivo: nesta situação, a financeira, como a instituição que fornece os recursos para a compra do veículo, é inserida na cadeia de fornecedores, assumindo parte da responsabilidade pelos prejuízos causados, estando limitada à sua participação, em face do consumidor, ao lado da loja especializada, que vende o veículo.
A compra de um veículo com a utilização de um financiamento obtido através de banco que possui relação comercial com o vendedor compõe o chamado contrato coligado. Neste tipo contrato, os contratos de financiamento e de compra e venda são reunidos por um vinculo econômico. Isso acontece porque o motivo da existência do contrato é aquisição do bem. Portanto, no nosso caso hipotético, não havendo veículo usado apto para a venda, não haverá razão para a existência de um contrato de financiamento.
O consumidor do nosso caso hipotético tem direito em ser indenizado pelo dano moral causado pelo vendedor?
Conforme entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), nos contratos coligados, mesmo havendo interdependências entre si, parcial ou totalmente, o contrato de compra e venda e de financiamento são negócios com características próprias. Deste modo, a ineficácia do contrato de compra e venda não é capaz de unificar a responsabilidade civil das partes envolvidas, ou seja, não é possível atribuir à financeira a responsabilidade do vendedor pelos danos causados ao consumidor. A responsabilidade da financeira fica limitada à devolução das parcelas pagas pelo financiamento.
No entanto, caso a conduta do vendedor ofenda direitos da personalidade do consumidor, rompendo com o equilíbrio psicológico do indivíduo, é cabível a indenização pelos danos morais sofridos. Portanto, o mero descumprimento contratual não possui o condão de gerar esse tipo de indenização.