No Brasil, todo cidadão tem o direito de ser atendido pelo Sistema Único de Saúde (SUS). No entanto, os brasileiros podem optar por contratar o serviço de saúde prestado pela iniciativa privada através dos planos e dos seguros saúde. Este serviço disponibilizado pelas empresas privadas compõem a Saúde Suplementar brasileira e as obrigações assumidas por este mercado quanto aos produtos e serviços mínimos a serem ofertados são regulados pela legislação nacional.
Portanto, é importante compreender que os produtos de assistência à saúde ofertados são rigidamente regulados pelo Estado e que são essas regras que garantem o equilíbrio econômico-financeiro das empresas que ofertam essa modalidade de serviços. No entanto, há situações em que os beneficiários recorrem ao Judiciário para obterem coberturas que estão além das previsões contratuais, com o argumento da hipossuficiência do beneficiário em relação a importância das seguradoras de planos de saúde, por exemplo, e a necessária proteção ao direito constitucional de acesso à saúde.
Pensemos no seguinte caso hipotético: um paciente é diagnosticado com deficiência auditiva, sendo-lhe prescrito pelo médico o uso de aparelho externo de amplificação sonora, para melhor entendimento e discriminação auditiva e, por ser beneficiário de um seguro saúde, solicita à seguradora a cobertura dos custos do aparelho. No entanto, seu pedido é negado, pois não haveria cobertura contratual.
E aí? É abusiva a recusa de custeio de aparelho auditivo de amplificação sonora individual (AASI) pela seguradora?
Conforme a legislação nacional, as seguradoras estão obrigadas a custear tão somente os dispositivos médicos que possuam relação direita com o procedimento assistencial a ser realizado. Logo, conforme a Lei n. 9.656/1998, a seguradora não tem a obrigação de arcar com próteses e órteses e seus acessórios não ligados a ato cirúrgico, podendo negar sua cobertura.
O fato de os contratos de saúde suplementar se sujeitarem ao Código de Defesa do Consumidor não significa que a cobertura deve extrapolar os limites do acordo. Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em situações que ultrapassam as coberturas contratuais, entender que as seguradoras são obrigadas a atender qualquer solicitação feita pelos usuários acaba por levar a ruptura do equilíbrio econômico-financeiro tão importante para a manutenção desses contratos.
Mesmo que a decisão a ser tomada pelo Judiciário venha favorecer o indivíduo que a solicitou, a autorização de cobertura pode prejudicar os outros beneficiários do seguro saúde, que terá que “socializar” os custos extras que teve que assumir reajustando, para o ano seguinte, por exemplo, o valor do prêmio. Por isso, o entendimento do STJ é no sentido de não autorizar a cobertura solicitada no caso hipotético.
Em um ambiente de segurança jurídica, a atividade seguradora se baseia em riscos, e não em incertezas, pois os riscos contidos na apólice, nos estritos termos em que foi elaborada, podem ser perfeitamente investigados e mensurados. Portanto, é da própria natureza do contrato de seguro que sejam previamente determinados os riscos cobertos, a fim de que haja o equilíbrio atuarial entre o valor a ser pago pelo consumidor e a cobertura de responsabilidade da seguradora.
Desta forma, um paciente diagnosticado com deficiência auditiva, mesmo com uma prescrição médica para o uso de aparelho externo de amplificação sonora, não poderá ter os custos do equipamento assumidos pela seguradora, pois não há previsão contratual, tão pouco previsão legal, além de causar desequilíbrio econômico-financeiro à relação contratual a qual faz parte.