Nas relações de consumo, em razão da fragilidade do consumidor, é possível realizar alterações no conteúdo dos contratos firmados pelo consumidor, afastando o princípio da autonomia privada, princípio norteador das relações contratuais, quando reconhecida a abusividade de cláusulas ou de condições que possam evidenciar onerosidade para o consumidor. O Código de Defesa do Consumidor (CDC) prevê que devem ser consideradas abusivas as cláusulas impostas unilateralmente pelo fornecedor, que contrariem a boa-fé e a equidade, promovendo desequilíbrio contratual e oneração excessiva do consumidor.
Porém, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) tem compreendido que, quando tratamos de cláusulas restritivas existentes em um contrato de seguro, a depender da situação concreta, não é possível aplicação do entendimento do CDC sobre a abusividade das cláusulas contratuais.
Mas, por quê?
A abusividade de cláusulas deve ser reconhecida quando há um desequilíbrio entre os direitos e obrigações das partes. Logo, a proibição das cláusulas abusivas é uma das formas de intervenção do Estado nos negócios privados para impedir o abuso na faculdade de decidir unilateralmente as cláusulas contratuais, em detrimento ao princípio da autonomia da vontade que orienta a formação dos contratos das relações civis. Portanto, pelo raciocínio inverso, caso não haja abusividade das cláusulas contratuais, deve ser respeitada a liberdade negocial, respeitando a autonomia privada na formação dos contratos.
O contrato de seguros é um contrato que gira em torno do risco, que é um acontecimento futuro e incerto. Nesses contratos, há um ajuste de vontades, no qual o segurador se obriga a indenizar o segurado caso o risco futuro, incerto e especificamente previsto venha efetivamente a se concretizar. Para tanto, caberá ao segurado pagar o prêmio, que é fixado a partir de dados estatísticos. E é com base na avaliação dos riscos que a seguradora define o valor do prêmio.
São considerados elementos essenciais de um contrato de seguros o risco (composto de fatos e situações da vida real que causam probabilidade de dano, a depender do perfil de cada segurado), a mutualidade (solidariedade econômica entre os segurados, uma “poupança coletiva”, objetivando cobrir os prejuízos que possam advir dos sinistros) e a boa-fé (lealdade de ambas as partes).
Sendo assim, é da própria natureza do contrato de seguro que sejam previamente determinados os riscos cobertos, a fim de que haja o equilíbrio atuarial entre o valor a ser pago pelo consumidor e a indenização securitária de responsabilidade da seguradora, na eventualidade do sinistro. Consequentemente, a exclusão pelo Judiciário de cláusula contratual delimitadora da cobertura securitária pode vir a ocasionar desequilíbrio econômico do contrato.
Portanto, segundo entendimento do STJ, ao analisar o caso concreto e pontual, caberá ao juiz encontrar a solução que melhor preserve o equilíbrio econômico-financeiro do contrato. E, em sua análise, deverá verificar aspectos circunstanciais, como o valor da mensalidade do seguro e do prêmio correspondente, realizando-se, ainda, uma comparação com outros contratos de seguro ofertados no mercado; as características do consumidor segurado; os efeitos nos cálculos atuariais, caso incluída a cobertura de novos riscos; se houve informação prévia e integral com relação à cláusula limitativa, inclusive com redação destacada na apólice de seguro, entre outros.