Nos últimos anos, notou-se um incremento no uso de cartões de crédito e de débito para o pagamento de compras. Segundo dados da ABECS (Associação Brasileira das Empresas de Cartões de Crédito e Serviços), no ano de 2019, os brasileiros somaram uma movimentação de R$ 664 bilhões em compras utilizando cartões de débito. Pouco a pouco, as cédulas de dinheiro estão perdendo lugar para os cartões de plástico e, na mesma intensidade, também crescem as discussões sobre as responsabilidades jurídicas dos envolvidos nestas transações econômicas.
Para a realização dos pagamentos via cartão é necessário o uso de senha cadastrada, na maioria das vezes, pelo titular do cartão ao recebê-lo, sendo uma sequência de números que deve ser memorizada e, preferencialmente, nunca compartilhada com terceiros. Porém, com o receio de esquecer a sequência numérica, algumas pessoas deixam o cartão e os números guardados em um mesmo local. Contudo, apesar da praticidade, em casos de furto ou roubo o titular do cartão pode acabar facilitando a utilização do cartão por terceiros.
Imaginemos a situação hipotética: uma pessoa, que guardava seu cartão juntamente com as anotações da senha, foi furtada e o terceiro utilizou o cartão para realizar compras em um estabelecimento comercial. Objetivando ser ressarcido dos prejuízos sofridos, o titular do cartão resolve requer indenização por danos morais do comerciante, sob o argumento de que o estabelecimento teria sido negligente ao aceitar a utilização do cartão para o pagamento de compra realizada por terceiro.
Será que este tipo de indenização é possível?
O ponto principal do questionamento está em verificar se o comerciante teria sido negligente ou não ao aceitar a utilização do cartão para pagamento de compra realizada por terceiro. No entanto, a discussão envolvendo a responsabilidade sobre os danos decorrentes do uso indevido de cartões magnéticos não é um tema novo junto aos Tribunais nacionais.
O Superior Tribunal de Justiça (STJ) já analisou o tema da responsabilidade das instituições bancárias pelos danos causados por fraudes ou delitos praticados por terceiros, como a abertura de conta corrente e o recebimento de empréstimos com a apresentação de documentos falsos, por exemplo. Segundo o STJ, por se tratar de risco do empreendimento, os danos causados por terceiros (fraudes ou delitos) aos seus clientes devem ser reparados pelas instituições bancárias.
Contudo, havendo culpa exclusiva do consumidor (o portador do cartão contribui para que o dano ocorra) ou inexistindo falha na prestação do serviço da instituição bancária, a responsabilidade de reparação é afastada. Um exemplo dessa situação é quando o correntista entrega o cartão e a senha a terceiro ou quando o cartão junto com a senha é furtado. Neste caso, o uso do cartão por terceiros seria culpa exclusiva do correntista que não cumpriu com seu dever de guarda com relação ao cartão e ao sigilo da senha.
E como fica a situação do comerciante?
Partindo deste entendimento, o STJ compreende que, assim como as instituições bancárias, o comerciante não é obrigado a reparar os danos morais sofridos pelo titular do cartão. Para que o estabelecimento comercial possa ser responsabilizado, é necessário que haja a demonstração de que o dano é resultado de falha na prestação de seus serviços.
Em nossa situação hipotética, o valor gasto com a compra foi pago através da apresentação física do cartão de débito e com o uso de senha pessoal e sigilosa do titular. Logo, não é possível responsabilizar o comerciante pelo dano moral suportado pelo titular do cartão pois o dano decorreu de uma falha no seu dever de guarda, não guardando qualquer relação com a atividade do comerciante.
Além do mais, na prática comercial, a utilização de um cartão bancário mediante senha para o pagamento de compras não é acompanhada da apresentação do documento de identificação do titular. Ou seja, o uso da senha pessoal e sigilosa para a efetivação do pagamento gera a presunção de que o portador do cartão, mesmo não sendo o titular, está autorizado a utilizá-lo. Portanto, não há como imputar falha no dever de cuidado do titular do cartão ao comerciante.