Nos últimos tempos, a violência no campo tornou-se crescente. Os conflitos já não são apenas por questões de propriedade de terra. A ideia poética de paz e tranquilidade, a cada dia, tem se afastado mais das zonas rurais brasileiras. O incremento da violência também torna comum as demandas por reparação dos danos materiais, morais e estéticos sofridos pelas vítimas. Pensemos em uma situação hipotética: desentendimento de vizinhos de propriedade.
Ambas as propriedades possuem um rio que cortam suas terras. No entanto, eram comuns as desavenças relacionadas ao usufruto das águas que, primeiramente, passavam pelas terras do vizinho que ali exercia uma atividade empresarial. A empresa estava impedindo o vizinho de ter acesso ao rio, pois bloqueavam a saída da água da fonte. Certo dia, o vizinho da propriedade abaixo foi à fonte da água para certificar-se do bloqueio e, em meio a discussão a respeito do bloqueio com o caseiro da empresa, foi baleado por ele e ficou internado por mais de 50 (cinquenta) dias e submetido a mais de 8 (oito) cirurgias. Uma tragédia!
Com a materialização desta tragédia anunciada, a vítima (o vizinho) recorreu ao Judiciário para requerer da empresa localizada na propriedade vizinha a indenização pelos danos morais sofridos, bem como ser ressarcido pelas despesas com os tratamentos médicos, pelos prejuízos suportados pelas perdas havidas em sua lavoura em razão do abandono a partir do incidente e pelos prejuízos causados ao seu corpo, que o deixaram inválido permanentemente.
Agora surge o questionamento: com base na narrativa, é possível afirmar que a empresa é responsável pela reparação dos danos causados pelo caseiro da propriedade?
Segundo a legislação nacional, só podemos responsabilizar quem, através de sua conduta ilícita, causar dano a outrem. Contudo, em algumas situações, pode-se atribuir solidariamente a alguém a responsabilidade por ato de outrem, como resultado de uma relação prévia existente entre ambos. Chamamos de responsabilidade indireta ou responsabilidade por fato de terceiro.
Conforme o Código Civil, nos casos de responsabilidade por fato de terceiro, não é necessário a comprovação da culpa, ou seja, desde que o ato seja praticado de modo culposo, ofensivo, os empregadores, os pais ou tutores, por exemplo, deverão ser responsabilizados, independentemente de sua culpa para a concretização do dano. A intenção do legislador era garantir ou, ao menos, assegurar a reparação dos danos causados por aqueles que lhes são confiados, até porque os empregadores ou os pais possuem condições melhores de fazê-lo.
Para que a empresa possa responder pelos danos caudados pelos seus empregados, é necessário que haja uma relação em que o empregador exerça uma relação de poder de autoridade ou de mando sobre o empregado. Ou seja, a empresa vizinha será responsabilizada pelo dano de seu caseiro se for possível provar o dano (o tiro desferido contra o outro vizinho) e a relação hierárquica de mando existente entre o empregador e o empregado (o caseiro agiu por conta, direção e interesse da empresa no momento do fato).
Havendo esses requisitos, caracterizada a subordinação, podemos então substituir o empregado pelo empregador para o ato de reparar os danos causados. A teoria da substituição, portanto, trata das situações em que o ato do substituto (o caseiro), no exercício de suas funções, é ato próprio do substituído (a empresa vizinha), pois é praticado no desempenho de tarefa que lhe interessa e traz proveito. Ou seja, não é necessário que o empregado esteja efetivamente em horário de trabalho, basta que o fato que gerar o dano ocorra “em razão dele”.
Segundo entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ), em meio a discussão com o vizinho sobre o uso das águas do rio que cruzam ambas as propriedades, ao proferir o disparo, o caseiro teria agido em defesa dos interesses da empresa ao cumprir sua função de zelar pela manutenção da propriedade e dos bens a eles pertencentes. Aliás, o conflito entre o caseiro e o vizinho originou-se da obrigação de trabalho do caseiro relacionada à administração da fonte de água controvertida.